Força verde-amarela no front - Parte 4

Salvou mil "com o próprio punho"

QUEM:
LUIZ MARTINS DE SOUZA DANTAS

NASCIMENTO: RIO DE JANEIRO (RJ)

ONDE ATUOU: PARIS E VICHY (FRANÇA)

POR QUE É HERÓI? ASSINOU MIL PASSAPORTES E IMPEDIU INVASÃO DA EMBAIXADA BRASILEIRA

O carioca Luiz Martins de Souza Dantas foi um dos grandes nomes da diplomacia internacional a intervir em favor dos perseguidos pelo nazismo na Europa. Embaixador na França entre 1922 e 1944, ele distribuía vistos a judeus, comunistas, homossexuais e outras minorias diante do recrudescimento da perseguição nazista. Os documentos eram em geral assinados de próprio punho, algo incomum e arriscado em se tratando de pessoas "indesejáveis", na definição do governo brasileiro. Ele não cobrava taxas nem exigia declarações ou atestados. E não informava a origem étnica dos requisitantes, conforme fora orientado a fazer.

Cerca de 500 vistos diplomáticos foram emitidos entre junho e dezembro de 1940. No dia 12 de dezembro, Dantas foi formalmente proibido de conceder os vistos. Há depoimentos, entretanto, afirmando que muitos refugiados receberam vistos com datas anteriores a 12 de dezembro mesmo o procurando já nos primeiros meses de 1941. O número total de pessoas salvas por Dantas pode passar de mil. Em Vichy, ele notabilizou-se por impedir a invasão da embaixada brasileira por tropas alemãs. Foi preso e levado à Alemanha.

Quando seus atos se tornaram conhecidos no Brasil, passou a ser tratado como herói pelos jornais e como inimigo pelo presidente Vargas, que proibiu os veículos de comunicação de dar qualquer informação sobre ele. Já aposentado, foi convidado pelo Ministério das Relações Exteriores para chefiar a delegação brasileira na Primeira Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Londres, entre 10 de janeiro e 14 de fevereiro de 1946. Foi o primeiro brasileiro a discursar no órgão, precursor da ONU. Morreu em Paris em 1954.

Em 2003, Souza Dantas recebeu da Yad Vashen, autoridade estatal israelita, o título de Justo entre as Nações, em agradecimento por sua ação humanitária na guerra. "Fiz o que teria feito, com a nobreza d’alma dos brasileiros, o mais frio deles, movido pelos mais elementares sentimentos de piedade cristã", disse.


Aracy: musa e anjo

QUEM
: ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA

NASCIMENTO: RIO NEGRO (PR)

ONDE ATUOU: HAMBURGO (ALEMANHA)

POR QUE É HEROÍNA? ARRISCOU A VIDA PARA SALVAR JUDEUS

Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, um dos maiores clássicos da literatura brasileira, é dedicado a Aracy, sua segunda mulher e parceira em um dos momentos cruciais da vida do casal: o salvamento de judeus no coração da Alemanha. Para ele, ela seria a amada Ara. Para aqueles a quem ajudou, Aracy se tornaria o "Anjo de Hamburgo".

Em 1938 (ano em que conheceu Guimarães Rosa, ainda casado), Aracy Moebius de Carvalho era funcionária do consulado brasileiro em Hamburgo. Por falar português, inglês, francês e alemão, conseguiu um cargo na seção de passaportes e bom trânsito no corpo consular.

A perseguição nazista aos judeus crescia na Alemanha ao mesmo tempo em que entrava em vigor a Circular Secreta 1127, que proibia a entrada de judeus no Brasil. Indignada, Aracy ignorou a ordem e passou a fornecer vistos brasileiros a quem lhe pedisse. Para conseguir a assinatura do cônsul, embaralhava os vistos no meio da papelada que ele assinava.

Rosa, então cônsul-adjunto, soube o que ela estava fazendo. E a apoiou (e apaixonou-se) plenamente, embora advertisse: "Tome cuidado, os nazistas são perigosos..." Ambos passaram a ser investigados pelo serviço secreto alemão e pela embaixada brasileira - o governo Vargas ainda mantinha relações diplomáticas com a Alemanha. Ele foi denunciado como simpatizante dos judeus e acabou fichado na polícia alemã por fazer declarações antinazistas. Sem imunidade diplomática, Aracy corria risco maior. Mesmo assim, seus estratagemas cresciam em ousadia. Ela abrigava judeus em sua casa e os escondia no banco de trás do carro consular para cruzar fronteiras. Se fosse pega, podia ser morta.Um caso ficou especialmente famoso. Maria Margarethe Bertel Levy e o marido foram levados por Aracy a um navio, no qual embarcaram com o passaporte diplomático da brasileira. Ela levou as joias do casal na própria bolsa, as escondeu na caixa de descarga do sanitário do camarote e os aconselhou a só retirá-las em alto-mar. Assim fizeram. Chegando ao Brasil, venderam as joias e iniciaram nova vida. Margarethe e Aracy se reencontrariam anos depois e se tornariam amigas inseparáveis.

O governo brasileiro rompeu com a Alemanha em 1942. Ao tentar deixar o país, João e Aracy foram surpreendidos pela ordem de ficar sob custódia do governo alemão em Baden-Baden. A prisão durou quatro meses até eles serem trocados por diplomatas alemães no Brasil. Foram morar no Rio de Janeiro. Casaram-se por procuração no México, já que não havia divórcio no Brasil. Ele ainda ocuparia cargos diplomáticos importantes. Aracy abriu mão da carreira.

A brasileira é a única mulher citada no Museu do Holocausto de Jerusalém como um dos 18 diplomatas que ajudaram a salvar vidas de judeus. Seu nome batiza uma avenida e um bosque em Jerusalém - no qual ela discursou no dia da inauguração, em 1985. Também é citada no Museu do Holocausto de Washington. No Brasil, abrigou artistas perseguidos pelo regime militar (1964-1985).Aracy ficou viúva em 1967 e nunca mais se casou. Morreu em São Paulo no dia 3 de março de 2011, dez dias depois de perder a amiga Margarethe. Ambas tinham 102 anos.


Vargas escondeu antissemitismo O preconceito contra judeus e apátridas expresso nas Circulares Secretas do Itamaraty ficou constrangedoramente claro com a proibição dos diplomatas brasileiros na Europa de conceder vistos aos perseguidos do nazismo. Autora do livro O Antissemitismo na Era Vargas, Maria Luiza Tucci Carneiro, professora de história na Universidade de São Paulo, diz que o sigilo das circulares expressa a preocupação do governo brasileiro de não expor ao mundo sua postura antissemita. "Tanto a Igreja como o Estado foram promotores do antissemitismo que, entre 1917 e 1932, extrapolou as fronteiras do discurso literário folhetinesco e da doutrinação católica. Depois de 1937 ele foi endossado pelas elites política e diplomática do país. Elas se tornaram coniventes ou omissas diante das práticas de extermínio nazista contra o povo judeu." Segundo Tucci, o governo ainda se esforçou para abafar as ações humanitárias do diplomata Luiz Martins de Souza Dantas.

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