A culpa é sempre do outro - Mãe Stella
Maria Stella de Azevedo Santos
Conta-se que um histórico governante visitou uma importante prisão do
país que estava sob seu comando. Curioso sobre o que tinha motivado
aqueles prisioneiros a cometerem diferentes tipos de crime, o governante
resolveu perguntar aos homens por que eles estavam naquela situação. Um
dos criminosos argumentou que estava ali por ter caído em uma armadilha
preparada por falsos amigos; outro disse que tinha sido injustamente
preso devido a um erro da polícia; já o outro explicou que o juiz tinha
cometido um imenso engano ao condená-lo.
O governante olhava para todos eles com
um sorriso irônico no rosto, mas nada comentava. Resolveu indagar a um
quarto homem sobre as razões para ele estar preso. Para surpresa do
governador, esse último disse que foi preso por ter cometido um grave
delito e por isto era justa sua prisão. Só nesse momento o governante se
dispôs a tecer algum comentário. Ele disse para o administrador da
prisão: “Tire logo este homem da prisão, pois senão ele vai contaminar
os outros, que são uns pobres inocentes”. O prisioneiro que assumiu sua
culpa foi o único que adquiriu a liberdade.
Raríssimas são as pessoas que têm por
hábito assumir seus erros. A culpa é sempre do outro. Estou à frente do
terreiro/templo Ilê Axé Opô Afonjá, como todos sabem, há muito tempo.
Foram muitas expectativas, muitas realizações e, claro, muitas
frustrações. Afinal, elas fazem parte da vida. Insisto em não desistir.
Por isso, ainda me disponho a fazer reuniões, com filhos e irmãos
espirituais, não só para organizar a comunidade da melhor forma
possível, mas principalmente para sentir como está a evolução espiritual
daqueles que foram confiados a mim por Olorum. É gratificante saber
que, apesar de muito trabalho e desgaste, ainda existe nos seres humanos
o desejo de continuar trabalhando no sentido de lapidar seus instintos,
para que eles possam transformar-se em puras intenções e ações. É
frustrante e tedioso, entretanto, perceber que uma característica
inerente ao ser humano teima em não se purificar: a permanente atitude
de não assumir suas falhas e, pior, gostar de apontar as dos outros.
Esse instinto, quando purificado, dá lugar ao sentimento de
responsabilidade. Quem não vivenciou as seguintes situações?
Uma mãe pergunta por que os irmãos estão
brigando, um aponta para o outro e diz: “Ele me bateu!” Dois
coleguinhas de escola vão fazer queixa para a professora e os dois falam
ao mesmo tempo: “Foi ele quem começou, pró”. Quando esses
comportamentos são infantis, menos mal. O problema é que eles,
normalmente, mantêm-se vivos na idade adulta. É realmente um tédio, os
anos se passarem, as gerações mudarem e o comportamento de culpar os
outros permanecer inalterado.
O ato de “se confessar” sempre foi
sagrado para os católicos. Dizer em voz alta os seus próprios erros é
uma forma de ouvir suas falhas, poder arrepender-se e, assim, encontrar
forças para modificar suas atitudes. A culpa dá, então, lugar à
responsabilidade: uma palavra que pode ser definida como um
comportamento através do qual se busca enxergar os próprios erros
cometidos, para que eles possam ser consertados. Uma pessoa responsável é
livre de culpas.
Hoje, dia 12 de setembro, é meu
aniversário de iniciada. Completo 73 anos como sacerdotisa de Oxossi. É
ao “meu” orixá que imploro que dê força e coragem aos seres humanos para
que passem a assumir os seus erros, deixando de escondê-los na figura
de outros. É a Oxossi – o caçador de uma flecha só – que peço que com
sua única flecha, repleta de amor e compreensão, seja capaz de atingir o
coração de muitos homens, para que estes transformem a culpa em
responsabilidade; a fraqueza, em consciência; a punição, em piedade. É
também a esse orixá provedor, dono de minha cabeça, meu eledá, que rogo
que me abasteça de sabedoria para entender a fraqueza de muitos de meus
filhos, que ainda não sabem ou não conseguem transformar o complexo em
simples, isto é, assumir seus erros, ao invés de transferi-los para o
outro. Seria esse o meu melhor presente de aniversário sacerdotal.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô
Afonjá. Seus artigos são publicados no jornal A TARDE, quinzenalmente,
às quartas-feiras
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