Você sabe o que é: Pelego?
No instrumental dos peões, pelego é um pano grosso e dobrado, ou uma
pele de carneiro curtida, mas ainda com a lã, que se coloca em cima do
arreio. O cavaleiro monta sobre o pelego antes de montar sobre o cavalo.
Conforme o mestre Aurélio, pelego é: a pele do carneiro com a lã; pele
usada nos arreios à maneira de xairel; indivíduo subserviente, capacho. É
sobre essa última definição que quero comentar.
O termo pelego foi popularizado durante o governo de Getúlio Vargas,
nos anos 1930. Imitando a Carta Del Lavoro, do fascista italiano Benito
Mussolini, Vargas decretou a Lei de Sindicalização em 1931, submetendo
os estatutos dos sindicatos ao Ministério do Trabalho. Pelego era então o
líder sindical de confiança do governo que garantia o atrelamento da
entidade ao Estado. Décadas depois, o termo voltou à tona com a ditadura
militar. Pelego passou a ser o dirigente sindical apoiado pelos
militares, sendo o representante máximo do chamado sindicalismo marrom. A
palavra, que antigamente designava a pele ou o pano que amaciava o
contato entre o cavaleiro e a sela, virou sinônimo de traidor dos
trabalhadores e aliado do governo e dos patrões. Logo, quando se chamado
de pelego, significava que a pessoa era subserviente/servil/dominada
por outra, ou seja, capacho, puxa-saco, bajulador.
Mas como se pode definir esse trabalhador que se acovarda, que aceita
tudo o que o patrão e o governo querem, sem questionar? Pelego é
trabalhador que se deixa montar pelo patrão e/ou pelo governo; é o que
não consegue reagir frente à humilhação; é quem não luta por seus
direitos, por medo das conseqüências; é o pusilânime que se esconde
atrás de desculpas esfarrapadas para justificar a própria covardia; o
que não tem coragem de lutar, o(a) COVARDE, enfim, o que se esconde
atrás daqueles que lutam, aproveitando da peleja alheia como um
parasita. Pelego é aquele trabalhador que não sabe o significado da
palavra solidariedade, o egoísta que não consegue ver nada além de suas
próprias e momentâneas necessidades; é aquele(a) que, terminada a greve,
não consegue olhar nos olhos de seus companheiros, porque se sente uma
sub-pessoa, uma não-gente, pois lhe falta uma parte essencial a todo ser
humano que se preze: o brio, a coragem, o amor próprio, a nobreza de
caráter, enfim.
Em tempos mais recentes, com a eleição do governo Lula, presidente
originário do movimento sindical, os movimentos sociais foram cooptados e
trazidos para dentro do aparelho do Estado, e lá eles se neutralizaram,
se anestesiaram, se despolitizaram. O "oficialismo" tirou qualquer
possibilidade de crítica e de reivindicação política. Os sindicalistas,
militantes tornaram-se assim, em muitos casos, funcionários do governo. E
agora, quem arbitra e decide tudo é o presidente. De fato, esses
movimentos, os trabalhadores e muitos sindicatos confundiram a
necessária postura de autonomia que deveriam manter em defesa dos
direitos dos trabalhadores, e não souberam lidar com esta realidade.
Tornaram-se parceiros, associados do governo e dos patrões, chamados
agora de neo pelegos. Todos irmanados no mesmo interesse, como se fosse
possível apagar, negar as classes sociais. Como se não existisse mais o
capital e o trabalho. Existe maior embuste? Sem deixar de mencionar que
tiveram mais recentemente, aprovado o imposto sindical, e que recebem
recursos financeiros de vários Ministérios e do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT).
Só a militância crítica há de nos livrar da sina de ser neo pelego.
Afinal, a gente pode até morrer teso, mas nunca perdendo a pose. Tudo
pode ser tirado, mas não se pode tirar a coragem de lutar de uma pessoa
decidida. Recuso-me a sair da militância política pela construção de uma
sociedade justa, solidária, que leve em conta a humanidade dos homens e
mulheres em qualquer parte do mundo. Não é esta a grande e universal
luta dos trabalhadores?Ser neo pelego? Nenhum trabalhador ou trabalhadora jamais deveria passar por essa infâmia.
Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco
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